Relativizando...
Em sua acepção corrente, o conceito de relativismo cultural, tal como o define Darcy Ribeiro,
se refere à idéia de que as culturas, sendo entes individuais e únicos, estão imbuídas de qualidades singulares que as tornam insusceptíveis de comparação valorativa. Contrapor uma cultura tribal a outra ou a uma civilização, ou comparar duas civilizações entre si, seria o mesmo que opor valorativamente um coelho a uma galinha, ou ambos a um rinoceronte. Nenhum deles seria melhor ou pior que o outro, não tendo cabimento no caso qualquer juízo de valor.
Assim, o relativismo cultural pode ser definido como o ponto de vista de que as culturas se eqüivalem como valor e experiência, não se reduzindo umas às outras, não sendo mensuráveis umas pela escala de uma suposta “evolução” de outras e explicando-se plenamente, cada uma delas, de acordo com os termos da lógica de seu próprio sentido. As culturas são geralmente julgadas sob a designação de “civilizadas” e “primitivas”. Essas palavras oferecem uma enganosa simplicidade e todos os intentos de documentar as diferenças nelas implicadas, para estabelecer definições precisas, têm demonstrado ser de insuspeitada dificuldade.
Ao longo de todo o percurso da antropologia, preconceitos e etnocentrismos (pelo menos no seio de nossa disciplina), vêm sendo substituídos pelo respeito à diversidade das culturas, cada uma das quais considerada nos seus próprios termos, sendo, portanto, cada uma delas, tão válida como qualquer outra. A lição que a antropologia nos ensina é a de que não se pode considerar inferior aquilo que é apenas diferente. Assim, encarar a diversidade das culturas de um modo rigorosamente não valorativo, é condition sine qua non para quem quer dedicar-se à antropologia e isso significa dizer que essa tarefa exige o aprendizado e a superação de preconceitos etnocêntricos e pré-científicos. Enquanto instrumento metodológico, o princípio do relativismo cultural se apoia numa vasta acumulação de dados obtidos mediante a aplicação de técnicas nos estudos de campo, a qual permitiu aos antropólogos penetrar nos sistemas de valores subjacentes às sociedades de costumes os mais diversos.
Por outro lado, o seu significado fundamental, enquanto princípio ético, leva ao respeito por todas as culturas. É através da diversidade que se torna possível a compreensão das culturas, na medida em que só a compreensão das diferenças enquanto sistema permitirá atribuir a qualquer cultura individual o seu sentido verdadeiro. O relativismo cultural é uma filosofia que, ao reconhecer os valores estabelecidos em cada sociedade para guiar sua própria vida, insiste na dignidade inerente a cada corpo de costumes e na necessidade de tolerância perante convenções diferentes das nossas.
Como o expressou Herskovits:
a virtude não é algo que o indivíduo possa possuir ou desfrutar independentemente de sua relação com os seus companheiros. Um homem só se pode fazer e ser verdadeiramente homem através da cultura e sua participação nela (...). Os critérios de virtude devem ser sempre relativos à cultura, e isso se aplica tão de cheio à nossa própria distinção entre justo e injusto, certo e errado, como aos critérios de qualquer povo primitivo.
Assim, o próprio núcleo do relativismo cultural é a disciplina social que respeita as diferenças, é o respeito mútuo. Não é, pois, uma casualidade que uma filosofia de relativismo cultural tenha precisado esperar o desenvolvimento de um suficiente conhecimento etnográfico. Enquanto os costumes dos povos não puderem ser estudados na base de sua própria textura de valores, não cabia outra solução senão avaliá-los na base do etnocentrismo julgador. Vejamos o que assevera Herskovits:
graças a técnicas eficazes e ao amplo caudal de dados, torna-se possível a humildade refletida na tolerância da atitude cultural relativista e sua amplitude de visão (...). Dispondo de meios para investigar as mais discrepantes orientações culturais e para adentrar-nos no significado dos modos de vida de povos diferentes, podemos retornar à nossa própria cultura com uma perspectiva nova e uma objetividade que de outro modo não alcançaríamos.
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