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domingo, 21 de agosto de 2011

RELATIVISMO CULTURAL -3

Concluindo ...

O aprofundamento da noção antropológica de cultura nos leva a reexaminar a noção de etnocentrismo. Cada vez mais, pelo abuso de linguagem, etnocentrismo se tornou sinônimo de racismo. O etnocentrismo passou a ser condenado com o mesmo vigor que o racismo. Ora, o racismo, mais que uma atitude é uma ideologia, baseada em pressupostos pseudocientíficos cuja origem pode ser datada historicamente e está longe de ser universal. O etnocentrismo, como vimos, pode ser encontrado tanto nas sociedades “primitivas”, que consideram geralmente os seus vizinhos como inferiores em humanidade, quanto nas sociedades mais “modernas” que se julgam mais “civilizadas”. Se o racismo é uma forma de perversão social, o etnocentrismo, compreendido no sentido original do conceito, é um fenômeno sociologicamente normal.
No entanto, se quisermos considerar que não há diferença essencial entre os homens e as culturas, ou seja, que o outro não é nunca absolutamente outro e que há sempre algo de nós nos outros, porque a humanidade é uma só e a Cultura está no centro das culturas ou, segundo a expressão consagrada que “o universal está no interior do particular”, então poderemos aceitar, como o preconizou Pierre Bourdieu:

Na realidade, o etnólogo deve afirmar a identidade (supondo por exemplo que as pessoas não fazem nada gratuitamente, que elas têm intenções, latentes ou ocultas, interesses, talvez muito diferentes, que elas dão golpes, etc.) para encontrar as verdadeiras diferenças. Estou convencido de que uma certa forma de etnocentrismo pode ser a condição para uma verdadeira compreensão, se designarmos assim a referência à sua própria experiência, à sua própria prática e desde que, evidentemente, esta referência seja consciente e controlada. Nós gostamos de nos identificar com um alter ego entusiasmado (...). É mais fácil reconhecer nos outros, tão diferentes na aparência, um eu que não queremos conhecer. Deixando então de ser projeções complacentes em maior ou menor grau, a etnologia e a sociologia levam a uma descoberta de si mesmo através da objetivação de si exigida pelo conhecimento do outro.

Assim, tomados como princípios metodológicos, o relativismo cultural e o etnocentrismo não são então contraditórios, mas, ao contrário, complementares. Sua utilização combinada permite ao pesquisador apreender a dialética do igual e do outro, da identidade e da diferença, ou seja, da Cultura e das culturas, que é o fundamento da dinâmica social. O que se impõe, todavia, tomando agora o relativismo no seu sentido ético, é a necessidade de preservar a diversidade das culturas num mundo ameaçado pela monotonia e pela uniformidade, como tão bem o compreendeu Lévi-Strauss. É a diversidade que precisa ser salva. É necessário, pois, encorajar as potencialidades secretas, despertar todas as vocações para a vida em comum que a história tem de reserva; é necessário estar pronto para encarar sem surpresa, sem repugnância e sem revolta o que estas novas formas sociais de expressão têm a nos oferecer. A tolerância, diz Lévi-Strauss,

não é uma posição contemplativa dispensando indulgência ao que foi e ao que é. É uma atitude dinâmica, que consiste em prever, em compreender e em promover o que quer ser. A diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à nossa volta e à nossa frente. A única exigência que podemos fazer valer a seu respeito (exigência que cria para cada indivíduo deveres correspondentes) é que ela se realize sob formas em que cada uma seja uma contribuição para a maior generosidade das outras.

Uma posição relativista, portanto, é a pré-condição para a construção de uma ética planetária, a saber, uma ética que seja válida para todos os povos do planeta e que concorra – sob o signo da tolerância – à realização daquilo que um filósofo defendeu como pré-condições para a criação de uma sociedade humana. Concluamos com as palavras do filósofo: “a tolerância é um fim em si mesmo. A eliminação da violência e a redução da repressão na extensão requerida para proteger homens e animais da crueldade e agressão são precondições para a criação de uma sociedade humana.”





Referências Bibliográficas

CARDOSO DE OLIVEIRA. Sobre o diálogo intolerante. In: O trabalho do antropólogo. Brasília : Paralelo 15; São Paulo : Ed. UNESP, 1998
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 9a ed. São Paulo : Ed. Ática, 1997
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução Viviane Ribeiro. Bauru : EDUSC, 1999
HERSKOVITS, Melville. O problema do relativismo cultural. In: Respeito à diferença – Uma introdução à Antropologia. Brasília : UnB, 1999, pp. 7-26
LÉVI-STRAUSS. Raça e história. In: Os Pensadores. Tradução Eduardo P. Graeff ... (et. Al.). 2ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1985
RIBEIRO, Darcy. Os Brasileiros:1. Teoria do Brasil – Estudos de Antropologia da Civilização. 9ª ed. Petrópolis : Vozes, O OLHAR DO OBSERVADOR
Madalena Freire
A observação é uma alternativa reflexiva quando o olhar está pautado para buscar ver o que ainda não sabe. Não é um olhar vago, à espera de descobertas. É um olhar focalizado para detectar, diagnosticar o saber e o não saber do grupo. Por isso mesmo ação estudiosa de realidade pedagógica que, por sua vez, demanda esforço, empenho, disciplina.
Na ação própria do nosso ensinar e na função de observador, é preciso o exercício de:
1. Silenciar: ser capaz de permanecer em silêncio. Dominar o próprio pensamento, numa interação "barulhenta" e por vezes conflitiva com o outro, mas... dentro de nós mesmos. A escrita neste momento é o único instrumento para (a futura) interação com o outro.
2. Escutar: a escuta de falas, reações mais variadas, e por vezes até silenciosas do grupo assinalam sempre uma comunicação paralela do grupo entre si, e com o educador. Exercitar a sutileza dessa escuta, buscando desvelar seu significado é um dos grandes desafios da ação de observar.
3. Ver: olhar o todo, o coletivo, as partes, os indivíduos, no seu conjunto e nos seus detalhes. No que cada elemento compõe a parte desse todo, com suas falas, seus gestos, suas "sacadas", seus silêncios. Aprender a olhar além, sempre, perguntando todo o tempo, o que está por trás do que se vê? Qual o significado? O que está para ser desvelado? È neste sentido que o olhar do observado é de "leitor" de realidade pedagógica.
4. Escreve: a escrita é um instrumento valioso de interação do observador com ele mesmo, no diálogo com o educador e com o grupo que observa. Ela é o apoio, a âncora do seu pensar, de sua reflexão. Se a escrita é âncora para o observador na organização do seu pensar sobre a aula, a pauta da observação nos crivos: aprendizagem, dinâmica e coordenação são igualmente âncoras para a mesma. O desafio não é "escrever tudo", mas sim registrar o que é essencial, guiado pela sua pauta.
5. Participar: aprender a participar de modo diferenciado, eis um dos grandes desafios do observador. Há dois níveis de participação que demandam duas interações distintas. Uma interação silenciosa, que exige exercício de concentração, atenção, um estar presente consigo mesmo e com o grupo, pensando a aula. Outra interação mediada pela linguagem corporal. Suas expressões de espanto, surpresa, seus gestos, sua postura corporal comunicam ao grupo o que no seu silêncio ele pensa, seu corpo "fala".
Estes cinco elementos inerentes ao ato de observação, quando assumidos no seu exercício da aprendizagem cotidiana, possibilitam em nós o desenvolvimento de competências cruciais também às funções do educador. Silenciar, escutar, ver, escrever e participar, enquanto construímos a aula, requer de cada um o exercício de capacidades como a paciência, a humildade, a tolerância, a generosidade, sem as quais a construção do conhecimento fica comprometida. Enquanto educadores, na função de observador, aprendemos esse exercício, por vezes muito delicado, de "observar a dor" do outro e também
1987.

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