Atitudes de risco do consumidor em
restaurantes de auto-serviço
Risk attitudes in self-service restaurants
Renata Puppin ZANDONADI1
Raquel Braz Assunção BOTELHO1
Karin Eleonora Oliveira SÁVIO1
Rita de Cássia AKUTSU1
Wilma Maria Coelho ARAÚJO1
R E S U M O
Objetivo
O objetivo deste estudo foi avaliar as possibilidades de contaminação dos alimentos no balcão de distribuição,
causada por usuários de Unidades Produtoras de Refeições.
Métodos
A coleta de informações foi realizada em 10 Unidades Produtoras de Refeições do Distrito Federal, via observação
direta de 12 atitudes de risco cometidas pelos consumidores (n=3.447), no período de outubro de 2003 a
setembro de 2004. O horário selecionado para observação das atitudes foi o de maior movimento de cada
unidade; a amostra foi sistematizada a cada 5 consumidores. O instrumento para coletar os dados relacionava
as possíveis atitudes de risco de contaminação, no momento em que cada consumidor montava sua
refeição.
Resultados
Os resultados obtidos demonstram que há probabilidade de contaminação alimentar causada por consumidores
dos restaurantes de auto-serviço. Em 96% dos casos observados, os usuários não costumavam higienizar
as mãos antes de se servirem. Observou-se também que não houve preocupação com o uso exclusivo de
utensílios de servir por parte de 50% desses consumidores, enquanto 56% conversavam ou falavam sobre as
preparações.
Conclusão
Conclui-se que é necessário conscientizar os consumidores, principalmente os usuários de auto-serviço, a fim
de evitar a contaminação de alimentos e as possíveis ocorrências de toxinfecções alimentares.
Termos de indexação: contaminação de alimentos; higiene dos alimentos; restaurantes.
20 | R.P. ZANDONADI et al.
Revista de Nutrição Rev. Nutr., Campinas, 20(1):19-26, jan./fev., 2007
A B S T R A C T
Objective
The objective of this study is to evaluate the possible forms of food contamination by the costumer during the
distribution period.
Methods
Data collection was performed in 10 food service units in Distrito Federal via direct observation of 12 risk
attitudes (n=3,447) between October 2003 and September 2004. The risk attitudes were observed during the
peak hour of each restaurant; the sample was systematized for each 5 consumers. The data collection instrument
related the possible risk attitudes of the consumers while serving themselves.
Results
The obtained results demonstrate that there is a probability of contamination of the food by the consumers in
restaurants, especially because 96% of the observed individuals did not wash their hands before serving
themselves. Furthermore, 50% of the consumers were not concerned with the exclusive use of utensils, while
56% talked about the foods.
Conclusions
The obtained data show that there is a need to improve the consumer’s awareness, especially in self-service
restaurants. Food contamination by consumers needs to be prevented in order to avoid food intoxication.
Indexing terms: food contamination; food hygiene; restaurants.
I N T R O D U Ç Ã O
A alimentação é necessidade básica para
qualquer sociedade. Influencia a qualidade de vida
por ter relação com a manutenção, prevenção ou
recuperação da saúde. Deve ser saudável, completa,
variada, agradável ao paladar e segura para,
assim, cumprir seu papel.
As transformações no mundo contemporâneo
provocaram mudanças significativas na
alimentação e nos hábitos alimentares dos seres
humanos, que passaram a usufruir cada vez
menos do universo doméstico. Essas mudanças
foram ocasionadas por fatores que perpassam a
urbanização, a industrialização, a profissionalização
das mulheres, a elevação do nível de vida
e de educação, o acesso mais amplo da população
ao lazer, a redução do tempo para o preparo
e/ou consumo do alimento, as viagens, entre
outros fatores1.
A preferência atual dos consumidores por
refeições mais convenientes influenciou o mercado
da alimentação coletiva. Ele cresce no mundo todo
e, no Brasil, atende a mais de dois milhões de
trabalhadores. Além da praticidade, o auto-serviço
oferece refeições variadas e de baixo custo2,
permitindo ao consumidor compor o seu prato,
de acordo com sua preferência.
Dados da Associação Brasileira da Indústria
de Alimentos2 mostram que, do momento da
implantação do Plano Real, em julho de 1994,
até 2001, houve um crescimento de 190,7% dos
setores de serviços de alimentação e de 16,5%
dos de alimentação fora do lar. O número de
restaurantes comerciais no Brasil duplicou na
última década e movimentou R$ 5,2 bilhões de
reais, em 2001.
No entanto, o propósito das Unidades
Produtoras de Refeições (UPR) não deve ser apenas
alimentar o homem, mas “bem alimentá-lo”. Isso
significa não oferecer apenas produtos sensorialmente
adequados, mas, sobretudo, produtos
seguros em especial sob o aspecto higiênico-
-sanitário3. Nesse contexto, uma alimentação
saudável preconiza a ingestão de alimentos com
adequado controle higiênico-sanitário4,5 uma vez
que a contaminação dos produtos pode provocar
sérios danos à saúde, como as toxinfecções
alimentares.
ATITUDES DE RISCO EM RESTAURANTES DE AUTO-SERVIÇO | 21
Rev. Nutr., Campinas, 20(1):19-26, jan./fev., 2007 Revista de Nutrição
A Organização Mundial de Saúde (OMS)6
define doença transmitida por alimento (DTA)
como “uma doença de natureza infecciosa ou
tóxica causada por, ou através do consumo de
alimento ou água”. Almeida Filho & Rouquayrol7
definem surto como uma ocorrência epidêmica
restrita a um espaço delimitado. Assim, surto de
DTA é a ocorrência de dois ou mais casos que
apresentem sintomas semelhantes após a ingestão
de alimento ou água, de mesma origem, implicados
como veículo da doença8, exceto em caso
de botulismo, quando uma ocorrência única já é
considerada um surto9.
A incidência de doenças relacionadas ao
consumo de alimentos cresce anualmente; o
número de refeições realizadas fora de casa
potencializa o surgimento de doenças transmitidas
por alimentos (DTA) e, conseqüentemente, os
surtos de toxinfecções alimentares10. Para Smith
& Fratamico11, o consumo de refeições fora do
domicílio é um dos fatores que mais contribuiu
para o aumento da ocorrência de DTA uma vez
que, nas Unidades Produtoras de Refeição (UPR),
as refeições são produzidas em larga escala e
torna-se mais difícil o controle efetivo de todas as
preparações produzidas.
A contaminação dos alimentos se inicia na
produção da matéria-prima e se estende às etapas
de transporte, recepção, armazenamento. Durante
a manipulação pode haver contaminação por
condições precárias de higiene de manipuladores,
equipamentos, utensílios, ambiente e condições
inadequadas de armazenamento dos produtos
prontos para consumo.
Vencida a etapa de preparação/industrialização,
os alimentos continuam expostos à contaminação
nos centros de distribuição, supermercados,
restaurantes, nas mercearias e residências.
De acordo com dados de Almeida12, mais de 70%
dos casos de DTA têm origem na contaminação
dos alimentos pelo seu consumidor final.
A higiene alimentar é fundamental para a
garantia de qualidade dos produtos alimentícios
e se insere em todas as operações relacionadas à
manipulação de qualquer gênero alimentício;
requer procedimentos apropriados no campo, na
transformação, na distribuição e no consumo13.
No Brasil, a mão-de-obra recrutada para
realização das atividades em UPR freqüentemente
não é qualificada e, em muitos casos, sequer é
treinada para assumir as atividades referentes à
produção de refeições. De acordo com Arbache
et al.14, 22% da mão de obra é qualificada; 56%
é não-qualificada e 22%, semiqualificada. Ademais,
observa-se também a falta de informação
desses profissionais quanto às normas de segurança
alimentar na produção de refeições.
Todavia, em um sistema de distribuição
centralizado, como nos restaurantes de auto-
-serviço, há também a probabilidade de contaminação
dos alimentos pelos consumidores, uma vez
que estes mantêm contato direto com os alimentos
expostos no balcão de distribuição.
Em UPR, os programas de capacitação de
manipuladores enfatizam a importância da saúde
individual e coletiva, incluem noções básicas de
higiene pessoal e ambiental e destacam os danos
que a ausência desses cuidados causam sobre a
saúde do consumidor, conscientizando os manipuladores
do seu papel na prevenção das DTA.
Ressaltam, igualmente, a importância da conscientização
dos consumidores sobre suas atitudes e,
conseqüentemente, sobre os riscos de contaminação
dos produtos em etapas posteriores às de
produção e distribuição, para minimizar o aparecimento
de DTA e prevenir o desperdício de
produtos15.
De acordo com Trigo16, verifica-se que a
transgressão às regras fundamentais de lavagem
das mãos - após usar sanitários, antes das refeições
e em outras situações de risco - possibilita a contaminação
de produtos. As mãos são importante
veículo de contaminação, quando em contato
com indivíduos, indivíduo e alimento, indivíduo e
equipamento, utensílio, ambiente. O ato de espirrar
sobre as mãos, ou sobre outra superfície
qualquer, pode contaminar com uma quantidade
importante de microorganismos.
A análise de perigos, a partir de instrumento
que vise minimizar os riscos de contami22
| R.P. ZANDONADI et al.
Revista de Nutrição Rev. Nutr., Campinas, 20(1):19-26, jan./fev., 2007
nação, contribuindo para a inocuidade do alimento,
inclui, também, considerar os aspectos que
fogem ao controle do processador, como por
exemplo, o auto-serviço17.
Diante do exposto, e em virtude do impacto
da alimentação fora do lar na sociedade moderna,
foi desenvolvido um estudo em UPR para avaliar
as atitudes de risco dos consumidores que podem
favorecer a contaminação dos alimentos durante
o auto-serviço.
M É T O D O S
Foi realizado um estudo exploratório com
técnica de observação não participante, com
amostragem de conveniência para a escolha das
UPR e amostra sistematizada para a escolha dos
consumidores observados. Foram selecionadas 10
UPR localizadas no Distrito Federal no ano de 2004,
com cardápio médio e formal, participantes do
estágio supervisionado em produção da Universidade
de Brasília. O número de consumidores a
serem observados em cada UPR foi determinado
de modo a obter uma amostra representativa
para uma população desconhecida18. Este número
foi estimado, com um intervalo de confiança de
95%, em 347 consumidores em cada UPR, tendo
sido possível ampliar a amostra total para 5.348
consumidores, em virtude do retorno esperado do
estudo para os responsáveis das UPR.
A pesquisa foi desenvolvida em três etapas:
na primeira observou-se a lavagem das mãos pelos
consumidores antes do auto-serviço, com amostra
de 1.901 consumidores. Na segunda etapa, foi
construído o instrumento a partir da observação e
definição das atividades de risco e, na terceira
etapa observaram-se as práticas das atitudes de
risco por parte dos consumidores (n=3.447). Em
cada UPR, a primeira etapa foi realizada em dois
dias, baseando-se na observação do uso do
lavatório localizado no refeitório pelos consumidores
para lavagem das mãos, apesar de apenas
cinco das UPR selecionadas disporem dessa
estrutura.
Para elaboração do instrumento de observação
das atitudes de risco, foram observadas as
atitudes praticadas pelos consumidores, no
momento do auto-serviço, em uma das UPR, por
um período de uma semana. Treze atitudes de
risco foram selecionadas e avaliadas pela técnica
de juízes, cujas sugestões foram incorporadas ao
instrumento definitivo19 a saber: a) não lavar as
mãos imediatamente antes do auto-serviço; b)
mexer no cabelo perto das preparações expostas
no balcão; c) falar em cima das preparações no
balcão de distribuição; d) deixar a gravata, a
manga de camisas, bolsas, blusas, vestidos ou
casacos tocarem nas preparações; e) deixar parte
do corpo encostar nas preparações; f) tossir sobre
as preparações; g) espirrar sobre preparações; h)
utilizar o utensílio de uma preparação em outra
já servida no prato do consumidor ; i) trocar os
utensílios das preparações; j) deixar o utensílio cair
dentro da preparação; l) retirar alimentos do seu
prato e devolvê-los às cubas com a mão ou
utensílio disponível; m) consumir alimentos antes
da pesagem; n) arrumar alimentos no prato com
os utensílios das preparações.
A terceira etapa foi realizada durante três
dias em cada UPR, e se ateve à observação e
quantificação do número de consumidores que
praticavam atitudes de risco no momento do
auto-serviço. A observação foi efetuada a cada
cinco indivíduos dentro do intervalo de uma hora,
do período de maior movimentação do refeitório,
indicado pelos nutricionistas dos estabelecimentos.
A análise dos dados foi realizada no programa
Excel®, que determinou o percentual de
pessoas que praticavam as atitudes de risco em
cada refeitório. O presente trabalho foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade
de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília.
R E S U L T A D O S E D I S C U S S Ã O
A Tabela 1 apresenta o percentual de
consumidores que cometeram atitudes de risco e
o total de consumidores observados em todas as
unidades investigadas. Com relação ao hábito de
ATITUDES DE RISCO EM RESTAURANTES DE AUTO-SERVIÇO | 23
Rev. Nutr., Campinas, 20(1):19-26, jan./fev., 2007 Revista de Nutrição
lavar as mãos, observou-se que 96% dos consumidores
(n=1.830) de 5 das 10 UPR analisadas,
possuidoras de lavatórios e 100% dos consumidores
(n=253) da UPR 3 não higienizaram as
mãos antes de iniciar o auto-serviço. As unidades
2, 4, 8, 9 e 10 não dispunham de lavatório para
higienização das mãos no refeitório. Portanto, seus
freqüentadores não foram considerados como
consumidores que fazem a higienização das mãos
antes do auto-serviço. Caso esses dados fossem
considerados, o percentual de não conformidade
seria de 98% (n=2.781), em um universo de 2.852
indivíduos observados.
Vale ressaltar que aqueles que higienizavam
as mãos nos lavatórios dos refeitórios das
UPR, as enxugaram nas próprias roupas, atitude
que possibilita uma recontaminação por meio do
vestuário.
A transmissão de doenças infecciosas pelas
mãos de manipuladores foi demonstrada há 120
anos. No entanto, somente em 1.938 as bactérias
foram classificadas como residentes e transitórias20.
Os microorganismos transitórios são principalmente
bactérias gram-negativas, facilmente
removidas pela adequada lavagem das mãos. Os
residentes, em sua maioria gram-positivos,
localizam-se em reentrâncias, nas quais os lipídios
e o epitélio dificultam sua remoção pelos procedimentos
de lavagem inadequada das mãos21.
Além das duas formas supramencionadas,
a contaminação dos alimentos pode ocorrer ainda
por meio de microrganismos patogênicos ou
deteriorantes. O consumo de alimentos contaminados
por microrganismos patogênicos pode levar
o indivíduo a um quadro infeccioso, que pode variar
de um desconforto leve a reações graves ou pode
até mesmo levar à morte. Constituem também
vias de eliminação de patógenos para os alimentos
as infecções rinosinusiais por meio de gotículas
de saliva emitidas ao falar, espirrar, tossir, e,
sobretudo pelo contato oral, quando se prova o
alimento16. O couro cabeludo não coberto, as
roupas e o próprio corpo podem também ser fontes
de contaminação de patógenos, que, freqüentemente,
possibilitam retrocontaminações dos
alimentos16.
Tabela 1. Percentual de consumidores que praticaram atitudes de risco no momento da preparação de seus pratos em UPR* do
Distrito Federal, 2004.
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
L
M
na nb %
Total
Atitudes
UPR
8
27
17
11
0
0
55
17
18
6
4
30
98
6
87
12
10
1
2
74
78
3
12
3
37
d
0
68
0
2
0
0
13
0
1
2
4
20
100
23
87
14
2
0
0
81
63
1
8
3
17
d
4
87
0
2
0
0
54
0
0
4
0
0
63
10
100
0
0
0
0
55
0
0
10
c
41
93
0
13
7
19
6
0
59
4
6
13
c
46
96
2
65
1
1
1
1
43
2
1
1
2
19
d
0
11
0
0
0
0
0
0
6
0
0
39
d
3
26
3
3
0
0
14
8
9
4
3
18
d
%
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
0.235
1.838
0.336
0.214
0.014
099.9
1.730
0.653
0.304
0.203
00.99
0.829
1.830
3.447
3.447
2.412
3.447
3.447
3.447
3.447
3.447
3.447
3.447
3.177
3.447
1.901
07,0
53,0
14,0
06,0
00,4
00,3
50,0
19,0
09,0
06,0
03,0
24,0
96,0
*Unidades Produtoras de Refeições; aNúmero de pessoas que cometeu as atitudes; bTotal de pessoas observadas; cNão havia pesagem das
refeições; dNão havia local para higienização das mãos no refeitório da UPR.
A: mexer no cabelo perto das preparações expostas no balcão; B: falar em cima das preparações no balcão de distribuição; C: deixar a gravata,
a manga de camisas, bolsas, blusas, vestidos ou casacos tocarem nas preparações; D: deixar parte do corpo encostar nas preparações; E: tossir
sobre as preparações; F: espirrar sobre preparações; G: utilizar o utensílio de uma preparação em outra já servida no prato do consumidor; H:
trocar os utensílios das preparações; I: deixar o utensílio cair dentro da preparação; J: retirar alimentos do seu prato e devolver às cubas com
a mão ou utensílio disponível; K: consumir alimentos antes da pesagem; L: arrumar alimentos no prato com os utensílios das preparações; M:
não lavar as mãos imediatamente antes do auto-serviço.
24 | R.P. ZANDONADI et al.
Revista de Nutrição Rev. Nutr., Campinas, 20(1):19-26, jan./fev., 2007
Tal ciclo de contaminação possibilita a
ocorrência de eventos que desencadearão
situações desagradáveis, tais como a decomposição
de alimentos e o aparecimento de DTA.
Para controlar esses episódios, recomenda-se que
sejam adotadas medidas que objetivem garantir
a inocuidade dos alimentos, fundamentadas sempre
no controle de riscos potenciais de contaminação.
Por essas razões, na produção de alimentos
é fundamental que o manipulador, ao ser capacitado,
seja alertado sobre a importância da higiene
pessoal e da higiene durante a manipulação dos
alimentos, e sobre a necessidade de sempre lavar
as mãos antes de iniciar uma atividade ou trocar
de atividade após usar o banheiro, tossir, espirrar,
assoar o nariz, ou tocar ferimentos e curativos.
Para tornar viável e facilitar a higiene pessoal21, o
estabelecimento deve disponibilizar pias,
sabonetes líquidos, papel-toalha, tanto na área
de manipulação de produtos como na área de
consumo. Assim, a falta de lavatórios para
higienização das mãos dos consumidores é falha
estrutural grave nas UPR. Para solucionar o
problema, cabe ao nutricionista buscar alternativas,
como a adoção do uso de géis bactericidas22
na entrada das unidades.
De acordo com a Organização Mundial de
Saúde23, nos países industrializados, anualmente,
uma em cada três pessoas é afetada por doenças
veiculadas por alimentos, resultando em sofrimento
humano e em perdas econômicas que giram
em torno de alguns bilhões de dólares. O consumo
de alimentos seguros leva à redução do número
de casos de doenças alimentares, de custos na
saúde pública, de barreiras ao comércio internacional,
de perdas, e à melhor produtividade24.
Grande parte dos casos de infecções alimentares
resulta da associação entre o consumo
de alimentos que sofrem manipulação inadequada
e as más condições de armazenamento, acondicionamento
e distribuição, que permitem a exposição
direta ao ambiente, propiciando a contaminação
e posterior veiculação de agentes de
natureza infecciosa aos consumidores25. De acordo
com dados do Ministério da Saúde8, restaurantes
e refeitórios foram responsabilizados por 49% dos
surtos de DTA no Distrito Federal em 2003, vindo
a seguir refeições realizadas em domicílios, equivalente
a 27%, no mesmo período. As escolas
correspondem a 6% e as festas, a 12%.
A análise dos dados da Tabela 1 permite
inferir que os consumidores dessas unidades
constituem importante fonte de contaminação de
alimentos, tendo em vista que é possível veicular
microorganismos com a simples atitude de mexer
nos cabelo perto das preparações (7% dos
consumidores), seja pelo contato direto do cabelo
que cai sobre a preparação, seja por sua
transmissão ao ambiente. Assim também, como
na boca há diversos tipos de microorganismos, a
atitude de tossir, cantar ou falar sobre os alimentos
é tão contaminante quanto espirrar. Os microorganismos
provenientes das gotículas de saliva
expelidas quando alguma dessas atitudes ocorre,
podem depositar-se sobre os alimentos contaminando-
os. A roupa, as partes do corpo e os demais
objetos são igualmente veiculadores de microorganismos
aos alimentos. Verificou-se que muitos
consumidores não se preocupam com tais detalhes,
tornando possível a contaminação por essas
vias.
Encostar utensílios de uma preparação em
outras que já se encontram dentro do prato, trocar
utensílios das preparações, devolver parte das
preparações que estavam dentro do prato em
contato com outras às cubas, foram atitudes
observadas nas diferentes UPR, e que comprometem
a segurança do alimento. O risco de
contaminação torna-se potencializado quando o
utensílio é deixado dentro da preparação, pois a
parte usada para segurá-lo entra em contato com
as mãos não higienizadas do usuário. A isso
alia-se, ainda, o fato de o funcionário efetuar a
reposição da preparação sem trocar a cuba,
principalmente se não houver um controle adequado
da temperatura de exposição do alimento
e se sua reposição não acontecer com a devida
freqüência. Cardoso et al.26 verificaram que 9 das
18 unidades avaliadas na Bahia mantinham a
temperatura de conservação dos balcões térmicos
inferior a 60ºC, com tempo de exposição médio
de 3 horas. Dessa forma, há um risco quando não
ATITUDES DE RISCO EM RESTAURANTES DE AUTO-SERVIÇO | 25
Rev. Nutr., Campinas, 20(1):19-26, jan./fev., 2007 Revista de Nutrição
se trocam as cubas na reposição, ou quando os
utensílios contaminados atingem as preparações.
O consumo de alimentos antes da pesagem
do prato também é outra fonte importante
de contaminação, pois as preparações são levadas
à boca com as mãos. Logo após essa operação, o
mesmo consumidor manuseia os utensílios
disponíveis no balcão.
Essas atitudes levam a crer que o risco de
contaminação de preparações não é monitorado
nas UPR analisadas. Além disso, quando o fluxo
de consumidores diminui, as preparações que
podem estar contaminadas ficam expostas por um
tempo maior, possivelmente em temperatura
favorável ao desenvolvimento microbiano.
Há alguns anos, no Brasil, verifica-se a
incidência de surtos provocados por alimentos
contaminados por Staphylococcus, que estão
sendo reconhecidos e estudados devido à sua
grande incidência27. A intoxicação causada
por alimentos contendo enterotoxinas de
Staphylococcus aureus é um dos tipos mais
comuns de doenças de origem alimentar em todo
o mundo. Como se trata de uma doença de curso
rápido e não muito grave, os indivíduos afetados,
geralmente, não necessitam de atendimento
médico e a maioria dos casos não é notificada,
não obstante o fato de ocasionar absenteísmo no
trabalho28.
Os estafilococos destacam-se como
importante grupo entre os microrganismos Gram
positivos. A presença deles é observada sobretudo
na pele e nas mucosas dos seres humanos. Estudo
realizado por Pereira et al.29, com 55 indivíduos,
mostrou que 58,2% deles apresentavam
Staphylococcus aureus e 30,9% apresentavam
material enterotoxigênico no nariz, em torno e
embaixo das unhas.
Nesta pesquisa, o perfil de risco para
contaminação não foi homogêneo em todas as
UPR. Na UPR 8, por exemplo, verificou-se que,
de maneira geral, não havia muitos problemas
com relação à higiene no momento da distribuição,
em virtude da presença de vidro de proteção no
balcão de distribuição e de uma distância relativamente
maior entre o consumidor e a preparação,
dificultando um contato muito próximo com
o alimento. Esse fato permite deduzir, portanto,
que o hábito de conversar enquanto estão servindo
seus pratos - observado em 65% dos consumidores
- pode não ser uma atitude de risco. Nessa
unidade, os pontos mais críticos foram a troca de
utensílios das preparações, ocorrida em 43% dos
casos avaliados, e o uso inadequado dos utensílios
de servir por parte de 19% dos indivíduos observados.
Identificou-se, também, que debruçar-se
sobre os pratos é um hábito comum dos consumidores,
especialmente quando as cubas
oferecem preparações diferentes em cada um dos
lados do balcão de serviço.
C O N C L U S Ã O
A prevenção da contaminação dos alimentos
não é tarefa exclusiva dos manipuladores de
alimentos, pois os consumidores também desempenham
papel importante na cadeia analisada.
A partir dos resultados obtidos, identificou-
-se a necessidade de os consumidores serem
conscientizados sobre as atitudes apropriadas
durante a montagem de seus pratos, a fim de
serem evitadas não só possíveis contaminações
como também as doenças transmitidas por alimentos
contaminados.
Assim, conclui-se que a higiene pessoal do
consumidor é o principal fator a ser monitorado e
a instalação de lavatórios, com instrução para uso
apropriado, a principal solução a ser adotada. A
adoção de balcões térmicos com barreiras de vidro
apresenta-se como uma solução para evitar que
os usuários dos auto-serviços contaminem as
preparações.
R E F E R Ê N C I A S
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Recebido em: 29/7/2005
Versão final reapresentada em: 30/10/2006
Aprovado em: 21/11/2006
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